A Magia do Ritual de Som

junho 21, 2023

A terapeuta Daniela Miranda traz em detalhes seu relato sobre a experiência no Retiro de Ritual do Som, que aconteceu em Garopaba (SC)


Em uma manhã quente de outono, enquanto o calor do sol fazia uma mescla com a brisa da mata em uma perfeita harmonia dos ares montanhosos, um grupo de pessoas vindas de todos os cantos do Brasil aguardavam a Cerimônia de Abertura do Retiro de Ritual de Som que foi conduzida pelos professores da Soundfulness Education em Garopaba.


O brilho nos olhos entregava a ansiedade dos que esperavam fora do yogashala, que fica situado dentro da Mata Atlântica no alto da Montanha Encantada, pelo momento de adentrar no espaço circular sagrado que nos esperava com o fogo na lareira aceso e o belo altar repleto de instrumentos no centro.


Lá dentro, o clima era mesmo de montanha onde nos encontrávamos todos no seu pé, prontos para a escalada. Ninguém sabia ao certo o que aconteceria nos próximos 5 dias dentro daquela sala. Mas a certeza era de que não sairíamos de lá os mesmos que chegamos.


Afinar a minha percepção sobre os sons e os instrumentos sagrados. Essa foi a resposta que veio à mente quando o professor e idealizador da escola, Pierre Stocker perguntou o que buscávamos naquele retiro.


Minha Jornada através do Som

Iniciei minha jornada com os instrumentos de cura faz pouco mais de um ano, quando tive a oportunidade de experienciar diversos encontros de música medicina que utilizam os instrumentos para facilitar a jornada sonora ao encontro de respostas internas. Após participar de festivais, workshops, cerimônias e rituais recebendo a medicina do Som, senti forte o chamado de introduzir os instrumentos sagrados nos atendimentos e cerimônias com Cacau Medicina que facilito.


Foi na Irlanda que tudo começou, quando comprei meu primeiro bowl (tigela tibetana) e usava-a intuitivamente para fazer limpeza e harmonização de ambientes e de pessoas (através de seus chakras – canais energéticos). Sutilmente, iniciei minha trajetória como estudante de Som na Índia, quando participei de um treinamento de três dias para aprender a utilizar as tigelas para fazer atendimentos individuais de terapia sonora, intitulada pelo professor indiano de Himalayan Sound Therapy.


Submersa na cultura do som, segui meu coração até um festival de música medicina na Hungria, onde escutei o nome de Pierre pela primeira vez. Nesse festival, conheci grandes músicos e professores musicistas brasileiros que estavam como artistas convidados do evento. Aí começou também minha relação com a Soundfulness Education, uma escola que poderia me proporcionar uma visão mais latino-americana sobre o Som, já que até então, eu tinha tido acesso aos conhecimentos célticos e orientais sobre essa prática.


De volta ao Brasil, esperei ansiosamente pelo momento de me aprofundar no Ciclo Fogo. Já familiarizada com alguns instrumentos, e após guiar inúmeras cerimônias de cacau dentro e fora do Brasil, foi chegada a hora de me nutrir da sabedoria da cosmovisão andina trazida pela Soundfulness Education traz os elementos peruanos de conexão com a natureza.


Taketina: meditação ritmada através do corpo

O corpo e os sentidos: voz, audição e tato, são explorados e expandidos durante a prática de Taketina, mas a percepção intuitiva é com certeza a que mais se aflora. Enquanto os pés pisam firmes no chão com os olhos fechados, em um passo ritmado. Não saímos do do lugar físico mas elevamos a mente a um nível astral em completa integração entre os sentidos individuais e coletivos.


Ta-ke-ti-na é o ritmo incessante pautado pelo surdo e o berimbau no centro dessa roda de pessoas. Uma construção coletiva que flui com liberdade ao passo em que os dois maestros, Mauricio Sprovieri e Pierre Stocker conduzem as batidas de pés e mãos simultaneamente, enquanto que a voz do grupo é lindamente explorada ao cantarolar sílabas musicadas em sincronia com os demais elementos.


A técnica, que já tem 40 anos, é o resultado de décadas de pesquisas do músico austríaco Reinhard Flatischler, aluno de mestres de grandes tradições rítmicas, como a cubana, a africana, a coreana, a japonesa, a brasileira, a árabe, a indiana e a tailandesa. Fundador e líder do grupo MegaDrums, que agrega percussionistas como o brasileiro Airto Moreira, ele foi um dos primeiros a reconhecer que os ritmos neurológicos vegetativos controladores das nossas funções essenciais podem ser influenciados por movimentos externos.


Assim começavam os dias no Retiro de Ritual de Som, trabalhando continuamente o ritmo coletivo com a prática da Taketina, o que proporcionava uma espécie de educação preparatória para o corpo, afinando a nossa percepção e trazendo embasamento para o as práticas de construção sonora que estariam por vir.


A música acordando o espírito

Durante o curso, tive acesso a dezenas de novos instrumentos que carregam em sua essência a alma da floresta. Naquela sala arredondada, experienciei o som da mata sendo reproduzido instintivamente por instrumentos feitos de madeira, couro e folhas como didgeridoo, flauta, tambor e chakapa.


Neste universo ritualístico onde o Som é o fio condutor, transitei por batalhas tribais, tempestades turbulentas e até Cerimônias Indianas que me fizeram crer que sim, existe um outro espaço tempo paralelo no qual posso acessar informações profundas por vezes veladas, esquecidas ou negligenciadas sobre mim, se eu realmente estiver aberta às percepções que o corpo só é capaz de alcançar através do espírito. E neste lugar, a música é responsável por acordar o espírito.


“Cerimônias Sonoras são festas que criam frestas no tempo.” Essa frase citada por Pierre, traduz perfeitamente o estado de consciência que nossa mente é capaz de alcançar a cada vez que presenciamos um Ritual de Som e nos permitimos oitavar o giro da espiral do mistério universal.


Em suas narrativas durante o curso, Pierre traz com muita presença e respeito a sabedoria ancestral andina, cultura do povo peruano que celebra o ciclo natural do tempo e a importância que tem o altar nos lares dessas pessoas que depositam ali sua fé na semeadura, e através dos ciclos naturais, trabalham para a colheita de tempos fartos e alegres.


Quando que a magia acontece?

Tudo o que é sólido, um dia foi Som. Porque na verdade, tudo é som! Foi isso que pudemos vivenciar nesse universo paralelo, durante os 5 dias do retiro. Uma percepção contínua e incessante no corpo, mente e espírito sobre o poder da junção dos elementos sonoros que dão forma a uma sinfonia divina universal.


É a partir das pessoas que a magia acontece. Cada universo particular, em sua vastidão, esteve presente nessa composição rítmica instrumental. Seres que ali chegaram sem qualquer experiência anterior com a música, puderam brincar, tocar, cantar e se sentir parte de uma orquestra da vida real. Com o acolhimento e incentivo dos professores Yuli, Lucas, Maurício e Pierre, que nos fazem lembrar o tempo todo que a vida deve ser leve, assim como a melodia de um passarinho.


O curso Ritual de Som traz muitos ensinamentos sobre união e coletividade. Conseguimos entender, perceber e sentir que somos todos parte de uma força primordial que integra tudo que é: humanos, animais, minerais, vegetais, elementos… e claro, o Som. Gostaria de parafrasear o escritor Drunvalo Melchisedeck, que disse que “a Geometria Sagrada é a linguagem primordial ou a linguagem da criação, um modelo de perfeição que simplesmente significa o plano ou projeto pretendido.”


O som trata-se dessa união eletromagnética de energias complementares que se solidificam e encorpam uma massa sonora homogênea, transformando a percepção desde um fragmento até a completude do Todo. Esse é o processo construtivo que passa por cada uma das pessoas ali, que percebem a força da unidade em comunhão com os demais. Um sincronismo sonoro que passa pelo instinto humano, e por sua vez, é conduzido desde o mistério absoluto do grande criador. É a magia acontecendo bem na frente dos nossos olhos.


Por Daniela Miranda

Iacy Germina

Fotos: Gustavo Coelho


Próximo Encontro: Ciclo Água

Água Presencial SC – Agosto 2023


 
 



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