Mulheres, de Osamu Dazai

agosto 10, 2022

A vida do escritor japonês Osamu Dazai foi muito conturbada. Envolveu-se com gueixas, foi expulso de casa, viciou-se em álcool e morfina, tentou o suicídio diversas vezes, acabou suicidando-se. Por causa disso, uma mangá muito famoso o transformou em ficção: Osamu Dazai é o protagonista de Bundo Stray Dogs.


Não só, porém, a conturbação é o que faz brilhar a aura do autor. Na verdade, isso é o que menos importa no fim das contas. A grandeza de Dazai está em seu mérito literário. Declínio de um homem, seu romance mais celebrado, inclusive tendo sido adaptado também para dois mangás, e publicado pela Estação Liberdade em 2015, é um sucesso absoluto. Em pouquíssimo tempo, já recebeu várias reimpressões.


Mulheres mantém a qualidade. São catorze contos, todos eles narrados por mulheres. A façanha, embora arriscada para um escritor homem, é exercida com maestria por Dazai, generoso ao deixar que sua voz seja tomada por essas vozes femininas.


Em Mulheres, uma mulher tenta justificar o roubo cometido. Mais do que isso: questiona se a sociedade deve julgá-la por aqueles pouquíssimos segundos do ato criminoso, quando ela age fora de si e contra uma megacorporação, ou por seu comportamento exemplar de toda a vida. Uma jovem escreve uma redação bela e original aos olhos de todos, embora ela mesma não ache grande coisa; querem que a publique, ela o faz a contragosto, recebe elogios, é aclamada, mas depois tentam controlar sua escrita. Ela expõe o ridículo das palavras de ordem, dos manuais, das oficinas literárias, se é que não da pretensão de superioridade dos homens sobre as mulheres.


Outra mulher não entende os preceitos básicos da ficção, acreditando que esta deve seguir à risca as regras da realidade. Duas irmãs fingem, uma para a outra, ser o mesmo poeta apaixonado e imaginário, a primeira para agradar a irmã; a segunda para agradar a si mesma. O diário de uma mulher, escrito em 1941, e que deveria ser lido somente em 2040, ou seja, cem anos depois e duas décadas a partir de agora, é aqui antecipado aos leitores. A mulher que o mantém deseja que as anotações sirvam como documento histórico. Um blecaute a interrompe.


O que essas narradoras, e as outras nove que completam os catorze contos do livro, têm em comum, além do fato de serem todas mulheres? Vivem nas sombras, na escuridão, umas por força maior, como é o caso da última mencionada, outras porque assim desejam. E muitas delas, mesmo as que preferem passar despercebidas, dão um jeito, hora ou outra, de qualquer iluminação, seja factual, com uma vela ao jantar pobre em família ou uma saída ao sol depois de um problema de pele; seja imaterial, com o brilho da esperança pelo que ainda está por vir após as trevas.



 

Título: Mulheres

Autor: Osamu Dazai

Tradução e posfácio: Karen Kazue Kawana

ISBN: 978-65-86068-61-0

Formato: 14 x 21 cm / 272 páginas

Lançamento: 08/08/2022 

Preço: R$68,00 



Sobre o autor


Osamu Dazai, cujo nome verdadeiro era Tsushima Shuji, nasceu em Kanagi, Japão, em 19 de junho de 1909. Estudou literatura francesa na Universidade de Tóquio, de onde foi expulso, e sempre teve uma vida familiar atribulada. Por causa de um relacionamento com uma gueixa, Hatsuyo Oyama, acabou deserdado pelo pai. Tentou pôr fim à vida em diversas ocasiões, sendo duas delas antes de completar 20 anos de idade.


De saúde frágil e com recorrentes problemas financeiros, Dazai tornou-se alcoólatra e, passando por diversas internações hospitalares, viciou-se em morfina. A literatura foi um de seus poucos refúgios. Durante a Segunda Guerra, conseguiu, como poucos, publicar um volume considerável de sua ficção, a despeito da forte censura japonesa daquele período. A quinta tentativa de suicídio mostrou-se eficaz, e Dazai faleceu às vésperas de completar 39 anos, junto a sua amante na época, Tomie Yamazaki, jogando-se no rio Tama, em Tóquio, em 13 de junho de 1948.


A editora Estação Liberdade publicou também do autor o romance Declínio de um homem (2015).



Trechos


"Depois de sair da ruela do bosque do templo, encontrei quatro ou cinco trabalhadores perto da estação. Como de praxe, eles me dirigiram palavras grosseiras que não ouso repetir. Fiquei sem saber o que fazer. Gostaria de passar na frente deles e deixá-los para trás, mas, para fazer isso, teria que andar entre eles, próxima deles. Horripilante! Por outro lado, ficar em pé, parada, permitindo que seguissem na frente, e aguardar que tomassem distância, exigiria ainda mais coragem. Eles ficariam ofendidos e zangados. Comecei a perder a paciência e tive vontade de chorar. Envergonhei-me disso, me voltei, deixei escapar um riso nervoso em sua direção e caminhei devagar atrás deles. Isso foi tudo, mas minha mortificação não se desvaneceu ao entrar no trem. Queria me tornar mais forte e determinada para ser capaz de superar essas situações estúpidas com indiferença." [p. 30]


"O bosque do templo era escuro, pus-me ligeira em pé e o atravessei sem conseguir reprimir um 'Ai, que medo!', com os ombros encolhidos. Fiz de conta que a luminosidade havia me ofuscado ao sair do bosque, caminhando pela estrada como se estivesse absorvida pela novidade que tudo aquilo representava aos meus olhos." [p. 44]


"Diferentemente do passado, ele não se cansou de me bajular, me deixando envergonhada e desconfortável. Dizia que eu estava bonita, elegante, e por aí afora. Coisas insuportáveis e claramente obsequiosas. Era como se eu fosse sua superior ou algo do tipo. Empregava palavras de uma polidez excessiva. Ele se voltou para meus pais e começou a falar sobre os meus tempos na escola elementar de forma desagradável e repetitiva." [p. 142]


"Mas a guerra teve início e, depois que a situação ficou tensa, passei a achar que não era certo que apenas eu permanecesse em casa todos os dias sem fazer nada; ficava inquieta, não conseguia sossegar. Precisava fazer alguma coisa, trabalhar com afinco, ser útil. Tinha de achar uma outra forma de viver, diferentemente de como eu vinha fazendo até então." [p. 178]



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