Sesc Vila Mariana recebe Tom Zé com seu novo disco “Língua Brasileira”
julho 05, 2022
Lançamento chegou às principais plataformas de streaming, Sesc Digital e Lojas Sesc em 24 de junho;
Shows de lançamento acontecem no Sesc Vila Mariana nos dias 9 e 10 de julho.
São Paulo, julho de 2022 - Cinco anos após o lançamento de “Sem Você Não A”, Tom Zé e Selo Sesc celebram o lançamento de “Língua Brasileira”, álbum que recebe o mesmo nome do espetáculo teatral que estreou em janeiro de 2022 no Sesc Consolação, fruto de uma parceria entre o músico e o diretor teatral Felipe Hirsch, que também assina a direção artística do álbum, com produção musical de Daniel Ganjaman e Daniel Maia. Em formatos físico e digital, o disco conta com onze faixas e chega às Lojas Sesc, plataformas de streaming e gratuitamente ao Sesc Digital em 24 de junho, dia de São João. Em julho, nos dias 9 e 10, Tom Zé celebra o lançamento com dois shows no Sesc Vila Mariana.
“Língua Brasileira” apresenta dez canções inéditas (“Os Clarins da Coragem” foi lançada como single em 22 de abril), nascidas desse mergulho em águas teatrais, profundas e estimulantes. O resultado são obras inventivas, como “Hy-Brasil Terra sem Mal”, inspirada na crença tupi-guarani da “Terra sem Mal” e na mitológica ilha que figura na cultura celta, denominada Hy-Brasil: uma porção de terra ao norte do oceano Atlântico que passaria períodos cíclicos de sete anos oculta sob grossa neblina, revelando-se aos olhos dos navegantes por um único dia, porém mantendo-se sempre inalcançável às embarcações; e “Pompeia – Piche no Muro Nu”, nascida do espanto do músico com a descoberta dos registros de pichações em latim vulgar nas paredes da cidade de Pompeia, na Itália.
O álbum propõe-se a investigar a língua e a cultura brasileiras, celebrando suas especificidades e riquezas, em contraponto à narrativa colonial e simplificadora da “descoberta” do Brasil e da disseminação da língua portuguesa. Os episódios de massacre e anulação das diferenças sempre existiram, mas não foram suficientes para impedir a mistura do idioma português (ele próprio já fruto de um processo milenar de miscigenação) com a multiplicidade de línguas africanas e indígenas faladas por muito tempo em território nacional.
Sobre o processo de composição e suas inspirações, Tom Zé afirma e destaca a importância de outras culturas para a formação e a construção da língua portuguesa em terras brasileiras: “Foram dois anos de trabalho, de domingo a domingo, com Daniel Maia sempre a meu lado, fazendo um esboço imediato de arranjo, que nos permitia calcular o futuro alcance da música. Neusa, algébrica, imediata, direta! E assim chegamos, com leves arranhões, a este disco com gravações inéditas, que passamos aos vossos ouvidos. Nós nos orgulhamos da língua cantabilee melodiosa que falamos no Brasil. As averiguações mostram que herdamos isso de uma antiga língua africana e negra: o quimbundo. Falamos, com pouso nas vogais, uma língua quase cantada, em vez daquelas consoantes acentuadas preferidas em Portugal”.
“Língua Brasileira” é parte de um projeto ambicioso que contempla, além da criação musical, a pesquisa em linguagem teatral, letras, antropologia e outras disciplinas. Para realizá-lo, Felipe Hirsch e Tom Zé passaram dois anos estudando os primórdios da língua falada no brasil, com a contribuição de dezenas de acadêmicos e especialistas em idiomas diversos – como o tupi, o kimbundo, o celta e o protoindo-europeu – que conduziram a investigação atentos às especificidades brasileiras, no que diz respeito à disseminação da língua portuguesa e suas fusões históricas.
Sobre essas contribuições, Hirsch destaca as participações de artistas e acadêmicos: “Não acredito na quantidade de gente que reunimos em torno disso. O Eduardo Navarro nos ajudando com o tupi, o Caetano Galindo, o próprio Viveiros de Castro que nos deu informações... Foi muita gente reunida. O Caetano escreveu até um texto sobre isso, uma rede fraterna ajudando um pouco a construir esse trabalho, além de Yeda Pessoa de Castro”.
Para Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, “O disco ‘Língua Brasileira’, produzido pelo Selo Sesc, é uma obra admirável de um artista consistentemente inquieto e inspirado. É também fruto de um trabalho coletivo de investigação artística que tem o apoio do Sesc SP por contribuir com as discussões sobre o conceito de brasilidade e a formação das identidades nacionais”.
Língua Brasileira por José Miguel Wisnik
TOM ZÉ, A LÍNGUA BRASILEIRA E A LÍNGUA DAS LÍNGUAS
Não é a primeira vez que Tom Zé compõe um álbum temático, inspirado por uma provocação conceitual e explorando a mina de um mesmo assunto. Estudando o samba (1976), por exemplo, é uma desconstrução amorosa do nosso maior gênero musical. Tropicália lixo lógico (2012) é um álbum ensaístico sobre o movimento polêmico dos anos 1960. Tudo, sempre, com aquela sua verve inconfundível que resiste a qualquer tipo de engessamento. Pois ideias e sonoridades entram numa fricção vivaz de ritmos, células polifônicas, interjeições aliciantes e onomatopeias, levadas no embalo dos motes, dos riffs e dos refrães. Há um fascínio irresistível no fato de que as ideias mais sérias, manejadas por ele, são também brinquedos reveladores e jogos de armar.
No caso de Língua brasileira, a sequência de canções girando em torno de um mesmo assunto ganha embocadura e amplitude inéditas. É que se trata, além de tudo, de um projeto grupal, em parceria com Felipe Hirsch e o coletivo Ultralíricos, associados a um conjunto respeitável de estudiosos das línguas, voltados todos para o espetáculo teatral que fez temporada marcante no Sesc Consolação, de janeiro a março de 2022, e no qual se incluíam as canções desse novo disco. A noção de língua brasileira mobilizada pelo espetáculo e pelas canções não se reduz à ideia de uma língua única e monolítica falada dentro das fronteiras do país. Ela foi concebida como um magma de línguas em processo de impregnação e de metamorfoses, presentes e remotas, no qual tomam parte o latim culto e o popular, remetendo ao proto indo-europeu, ao proto-celta, aos fluxos e aos influxos do galego-português, do árabe, das línguas indígenas e africanas, potencializadas ao infinito pela multiplicidade dos falares. A língua é o leito de um rio caudaloso e acidentado, cheio de passados, de presentes e de futuros, que se liga ao oceano das línguas. A diversidade das falas desemboca, para usar a imagem de uma das canções, na unimultiplicidade da humanidade, onde cada homem, a cavaleiro das palavras, “é sozinho (...)/ a casa da humanidade” (“Unimultiplicidade”).
A primeira faixa do álbum (“Hy-Brasil terra sem mal”) brinca com a coincidência entre o nome do país e o da misteriosa ilha “Brasil” presente no imaginário medieval celta. Ilha mítica que, segundo reza a lenda, se afastava e se escondia de quem se aproximasse. Numa de suas jogadas arrojadas e engenhosas, além de engraçadas e surpreendentes, Tom Zé aproxima a ilha-Brasil irlandesa do mito da terra sem mal que alimentou o profetismo tupi-guarani e que, ao contrário da vida eterna no céu cristão, prometia um paraíso encontrável na terra–mesmo que uma terra sempre por encontrar. A primeira parte da canção, a que fala do mar gelado da Irlanda, se apoia na célula repetida de um ostinato (palavra que designa um recurso musical frequente em Tom Zé, e que aparece ardilosamente ostentada na sua têmpora, numa foto do encarte do disco). A segunda converte-se no samba de um Hy-Brasil bem batucado que virasse uma utópica “ilha sem fuzil” e sem “bala civil”.
Em “Pompeia – piche no muro”, Tom Zé faz uma glosa libérrima e exata de um “chique piche” escrito em latim e encontrado num “muro nu” da antiga cidade romana. Pode-se resumir dizendo que, entre o mortal que ama e o mortal que não ama e que quer proibir o amor, entregue-se este último ao carcará e diga-se: “Cega, amassá e some!”.
A canção-título “Língua brasileira”, que já fazia parte do álbum Imprensa cantada (2003), teve tudo para ser retomada aqui, por razões evidentes. Em meio a um ambiente estilístico de alfaias lusitanas, vinhos e punhais, “mares-algarismos” nunca dantes navegados, “almas e abismos”, a voz que canta dirige-se à língua de Avis, essa “dama culta e bela”, “visigoda e celta”, que não se furta, enquanto “Babel das línguas em pleno cio”, à África, ao mouro e ao gentio. Ao final, o fado dessa ilustre dama portuguesa se une ao nosso destino equívoco e musical pelas mãos de uma sortista: “A cartomante abre o baralho, / Abismada vê, entre o sim e o não / Nosso destino ou um samba-canção”.
E assim prossegue essa eletrizante farra poético-musical que junta a plasticidade dos fluxos linguísticos e das trocas antropológicas com a ferroada cáustica dos atritos e dos embates sociais. O mito da gênese cosmogônica guarani (“Gênesis guarani”) dá as mãos ao mito da gênese iorubá, que assume proporções grandiosas e arrebatadoras numa faixa épica de quase dez minutos (“A língua prova que”). Nela, a narrativa ancestral desvela a língua como a melhor e a pior das comidas, o veneno remédio da bendição e da maldição, a ser atravessado por dentro pela fresta e pela festa da sabedoria, num bate-rebate de sílabas.
“Índio desliga Jaraguá” nos lança nessa cidade-pauliceia capaz de tomar sem volta (mas não sem revolta) a terra do índio, fazendo jus ao sujo apelido que nela gruda, e cujo nome é “cu do Juda”. E “San Pablo, San Pavlov, San Paulandia”, resgata, num palavreado insubmisso e multilinguístico, os trabalhadores nordestinos, paraguaios (entenda-se, também, bolivianos, coreanos, africanos e todos os outros), que suportam o peso da cidade e limpam latrinas –palavra que se transforma afinal num peido vocal vingativo e reparador. “Metro guide”, por sua vez, faz um impagável contraponto entre o ascético pragmatismo norte-americano e o savoir-faire tropical através da lista comparada de telefones de serviço de Nova Iorque e de Irará.
Não nos percamos de “Clarice”, pequena canção delicada e linda, toda feita de jogos de aliterações e paronomásias (“carece Clarice esclarecer”, “tão solene e tão solar”, “corajoso coração”, “unguentos aguentar”...), fazendo florescer uma língua lunar secreta no “quarto-minguante que míngua”. Nem nos esqueçamos de “Os clarins da coragem”, balanço de um país “que até hoje não há”, que tarda demais, “que elege carrascos, / letais”, mas para o qual Tom Zé ergue uma clarinada augural desejando “que uma geração com ternura / se eduque em firmeza e doçura” nos clarins da coragem.
Salve esse extraordinário criador! Viva sua energia estimulante capaz de abraçar – sempre! – mundos sem fundo.
Músicas
1. HY-BRASIL TERRA SEM MAL 5'44 Tom Zé
2. POMPEIA – PICHE NO MURO NU 2'35 Tom Zé
3. LÍNGUA BRASILEIRA 3 '45 Tom Zé - Participação especial: Maria Beraldo
4. UNIMULTIPLICIDADE 2'32 Tom Zé
5. GÊNESIS GUARANI 1'32 Tom Zé
6. METRO GUIDE 5'11 Tom Zé
7. ÍNDIO DESLIGA JARAGUÁ 1'53 Tom Zé
8. A LÍNGUA PROVA QUE 9'44 Tom Zé
9. SAN PABLO, SAN PAVLOV, SAN PAULANDIA 3'30 Tom Zé (música) / Douglas Diegues (letra)
10. CLARICE 1’01 Tom Zé
11. OS CLARINS DA CORAGEM 4'00 Tom Zé
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Ficha Técnica
TOM ZÉ – LÍNGUA BRASILEIRA
Mixagem Daniel Ganjaman – Estúdio El Rocha
Masterização Fernando Sanches – Estúdio El Rocha
Produção musical e planejamento de percussão Daniel Ganjaman
Coprodução Daniel Maia
Diretor artístico Felipe Hirsch
Direção geral Tom Zé
Produção executiva Neusa Martins, Belma Ikeda, Tania Lopes
Gravado no Estúdio Vale do Silício (Percussão em “Hy-Brasil Terra Sem Mal” e “A Língua Prova Que” gravada no Estúdio Dissenso. Cavaco e banjo em “Hy-Brasil Terra Sem Mal” e “A Língua Prova Que” gravados no Estúdio El Rocha)
Projeto gráfico e colagens digitais* André Vallias
Fotografia Fernando Laszlo
*com o mapa de Giacomo Gastaldi, pictogramas da Pedra do Ingá, "Psiu" de Augusto de Campos, poemas de A.V., iluminuras visigóticas, moçárabes e sefarditas, Luiz Gama, ponto riscado de Exu Lalu, Euclides da Cunha e cordelistas do Nordeste.
SOBRE TOM ZÉ
Baiano de Irará, aos 85 anos, Antônio José Santana Martins, o Tom Zé, é um dos compositores e arranjadores mais originais e ativos da música popular brasileira. É parte da cena musical do país desde os anos 60, quando integrou o movimento da Tropicália. Nas décadas seguintes, se entrega ao pop experimental e é “encontrado” por David Byrne, ex-Talking Heads, que leva sua obra para os Estados Unidos, tornando-se grande sucesso da crítica internacional. O músico possui mais de vinte álbuns de estúdio.
SOBRE O SELO SESC
Criado há 18 anos, o Selo Sesc tem o objetivo de registrar a amplitude da produção artística brasileira construindo um acervo pontuado por obras de variados estilos, épocas e linguagens. Em 2020, destacam-se os álbuns lançados nas plataformas digitais: Sessões Selo Sesc #8: Toada Improvisada – Jackson do Pandeiro 100 anos e Olorum (Mateus Aleluia). O CD-livro São Paulo: paisagens sonoras (1830-1880) da pesquisadora e cantora Anna Maria Kieffer; o DVD Exército dos Metais, da série O Som da Orquestra; os CDs físico e digitais Recuerdos (Tetê Espíndola, Alzira Espíndola e Ney Matogrosso), Tia Amélia Para Sempre (Hercules Gomes), Acorda Amor (Letrux, Liniker, Luedji Luna, Maria Gadú e Xênia França), Tio Gê - O Samba Paulista de Geraldo Filme (vários artistas) e Nana, Tom, Vinicius (Nana Caymmi). Já em 2021, a gravadora lançou exclusivamente no ambiente digital os discos Villa-Lobos Trios (Claudio Cruz, Ricardo Castro, Antonio Meneses e Gabriel Marin), Viola Paulista – Volume II (Vários Artistas), Tempo Tátil (Vladimir Safatle), Forró de Rabeca (Mestre Luiz Paixão); De Sol a Sol (Toninho Ferragutti & Quinteto de Cordas), Poéticas (tributo ao poeta Jorge Salomão), entre outros. Neste ano, a gravadora lançou o box Toda Semana: Música e Literatura na Semana de Arte Moderna (Vários Artistas) com um apanhado da ambiência sonora, poética e musical da Semana de 22. Os títulos do Selo Sesc podem ser encontrados nas Lojas Sesc, na loja virtual do Portal Sesc São Paulo, nas principais plataformas de streaming (Spotify, Deezer, Apple Music, entre outras) e no Sesc Digital.
SERVIÇO
• Selo Sesc lança álbum “Língua Brasileira”, de Tom Zé.
Com 75 anos de atuação, o Sesc – Serviço Social do Comércio conta com uma rede de 45 unidades operacionais no estado de São Paulo e desenvolve ações com o objetivo de promover bem-estar e qualidade de vida aos trabalhadores do comércio, serviços, turismo e para toda a sociedade. Mantido pelos empresários do setor, o Sesc é uma entidade privada que atua nas dimensões físico-esportiva, meio ambiente, saúde, odontologia, turismo social, artes, alimentação e segurança alimentar, inclusão, diversidade e cidadania. As iniciativas da instituição partem das perspectivas cultural e educativa voltadas para todas as faixas etárias, com o objetivo de contribuir para experiências mais duradouras e significativas. São atendidas nas unidades do estado de São Paulo cerca de 30 milhões de pessoas por ano. Hoje, aproximadamente 50 organizações nacionais e internacionais do campo das artes, esportes, cultura, saúde, meio ambiente, turismo, serviço social e direitos humanos contam com representantes do Sesc São Paulo em suas instâncias consultivas e deliberativas.
Escritora, autora da duologia "A Princesa e o Viking" disponível na Amazon. Advogada e designer de moda. Desde 2008 é blogueira. A longa trajetória já teve diversas fases, iniciando como Fritando Ovo e desde 2018 rebatizado como Leoa Ruiva, agora o blog atinge maturidade profissional, com conteúdo inovador e diferenciado. Bem vindos!
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